O tempo é um presente de Deus, quando
visto a partir da experiência humana, pois não significa apenas uma
categoria física, mas oportunidade para o crescimento das pessoas. Pra
nós cristãos, é ocasião privilegiada para a graça de Deus atuar em
nossas vidas, iluminando nossas escolhas e orientando o dia a dia.
A Quaresma, apenas iniciada, é uma forma de viver o tempo nas próximas
semanas, oferecida pela Igreja aos fiéis. É ainda ocasião para uma
Campanha de Opinião Pública, que chamamos "Campanha da Fraternidade",
nossa contribuição para que a sociedade se torne mais fraterna, justa e
igualitária. Neste ano de 2014, trataremos de um tema desafiante, o
tráfico humano, realidade dolorosa, presente de diversas formas em todas
as regiões de nosso país. Para nós, na Amazônia, brote um grito em prol
da fraternidade e da superação do mal do tráfico de pessoas, que nos
toca bem de perto. Estamos, pois, num "tempo forte" da vida cristã, que
faz os dias, em si iguais em seu amanhecer, sol ou chuva, por do sol ou
noite, chuva, vento, frio ou calor, se transformarem e adquirirem um
colorido diferente. Vem de dentro a possibilidade de aproveitar este
período. Quaresma não é tempo de fatos ou fenômenos extraordinários, como muita
gente ainda tem receio. Pode até acontecer que algumas pessoas "peguem
carona" na Quaresma da Igreja para espalhar o medo ou anúncio de
dificuldades ou catástrofes. É bom saber que os dias e as estações
continuam do mesmo jeito, que as pessoas ao nosso lado podem não estar
nem aí para nossos atos de piedade ou práticas quaresmais. Sentir-se-ão
atraídas à vida da Igreja quando virem nosso testemunho coerente de vida
cristã. Aí muitas outras pessoas desejarão fazer mortificações e
jejuns, dedicarão mais tempo à oração e se converterão ao amor de
caridade.
Como a Quaresma depende de escolha, nosso convite chegue a todos os
cristãos, assim como tantos homens e mulheres de boa vontade, para que
abram os corações e as mentes a Jesus Cristo, Senhor e Salvador da
humanidade, Caminho, Verdade e Vida. Nele está a fonte de vida e de
felicidade. Seu amor misericordioso quer alcançar a todos, sem exceção.
Ele não se cansa de perdoar e acolher as pessoas. A Igreja quer ser a
Casa da Misericórdia para todas as pessoas, especialmente para quem se
sente estropiado e cansado pelas labutas da vida.
Jesus convida todos os homens e mulheres a segui-lo, tornando-se
discípulos seus. Quem aceita o seu chamado inicia um processo de
conversão, que quer dizer mudança de mentalidade, com a consequente
mudança de rota na vida. São Paulo descreveu com maestria esta vida
nova: "Tendo vós todos rompido com a mentira, que cada um diga a verdade
ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Podeis irar-vos,
contanto que não pequeis. Não se ponha o sol sobre vossa ira, e não deis
nenhuma chance ao diabo. O que roubava não roube mais; pelo contrário,
que se afadigue num trabalho manual honesto, de maneira que sempre tenha
alguma coisa para dar aos necessitados. De vossa boca não saia nenhuma
palavra maliciosa, mas somente palavras boas, capazes de edificar e de
fazer bem aos ouvintes. Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o
qual fostes marcados, como por um sinal, para o dia da redenção.
Desapareça do meio de vós todo amargor e exaltação, toda ira e gritaria,
ultrajes e toda espécie de maldade. Pelo contrário, sede bondosos e
compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus
vos perdoou em Cristo. Sede, pois imitadores de Deus como filhos
queridos. Vivei no amor, como Cristo também nos amou e se entregou a
Deus por nós como oferenda e sacrifício de suave odor. A imoralidade
sexual e qualquer espécie de impureza ou cobiça nem sequer sejam
mencionadas entre vós, como convém a santos. Nada de palavrões ou
conversas tolas, nem de piadas de mau gosto: são coisas inconvenientes;
entregai-vos, antes, à ação de graças" (Ef 4,25 - 5,4). Para chegar lá, é
necessário exercitar-se, e muito! Na Quaresma, os cristãos se dedicam,
de forma especial, a três práticas formativas de sua vontade no
seguimento de Jesus Cristo, que nos ajudam a assumir a vida nova assim
descrita. Relacionamento consigo, com o próximo e com Deus.
A primeira delas é chamada de mortificação, abstinência, ou jejum. As
três expressões servem para indicar o processo de educação da vontade.
Moderar o uso do alimento, escolher práticas que orientem nossos
impulsos instintivos. Muitos o fazem por motivos de saúde ou por razões
estéticas, enquanto nós desejamos fazê-lo para a educação da vontade e
para partilhar o fruto do jejum com as pessoas necessitadas.
A segunda tem o nome de esmola, palavra, quem sabe, desgastada, que é o
exercício das obras de misericórdia, ações caridosas pelas quais vamos
em ajuda do nosso próximo, nas suas necessidades corporais e
espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de
misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As
obras de misericórdia corporais consistem em dar de comer a quem tem
fome, albergar quem não tem teto, vestir os nus, visitar os doentes e os
presos, sepultar os mortos. A esmola dada aos pobres é um dos
principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de
justiça que agrada a Deus (Catecismo da Igreja Católica 2447). "Quem tem
duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos,
faça o mesmo" (Lc 3, 11). "Dai antes de esmola do que possuis, e tudo
para vós ficará limpo" (Lc 11, 41).
Enfim, intensificar a prática da oração, em todas as suas formas, é o
terceiro exercício com o qual os cristãos se comprometem na Quaresma,
abrindo-se para Deus e dedicando tempo e qualidade de relacionamento com
o Senhor. Rezar mais e rezar melhor!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL